4 de mar. de 2008

Fidel: Chapolim ou Tripa Seca?


ASSIM COMO a retirada do velho comandante, o post tá atrasadão. Já se vai mais de semana que Fidel anunciou sua saída do governo cubano, para cuidar de sua definhada saúde. A essa altura do campeonato, seu pulmão deve ter virado um quijo suíço, de tantas baforadas de charutos que circularam por lá (pelos meus cálculos, 3 charutos por dia, ao longo de 60 anos - já computados os bissextos e a abstinência no último mês -, resultam em 65.714 charutos, o suficiente para derrubar um elefante).

Seu irmão Raul, que aparece sempre assustado nas entrevistas, assume o legado de Rei Castro: sistema de educação, cultura, esporte e saúde de Primeiro Mundo; salários, oportunidades, desenvolvimento econômico e liberdade de expressão abaixo do mais ralo padrão africano.

Com o sistema implantado após o golpe que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista (1959), Fidel oscilou entre altos e baixos. Enquanto teve o financiamento soviético, deu à população cubana uma vida digna e decente, palavras que estavam há tempos alijadas da ilha.

Com a queda do império vermelho - somada ao embargo norte-americano -, Cuba se viu abandonada no mapa. Seria então o momento de uma transição político-econômica, atitude que Fidel se recusou a tomar. Resultado: nos últimos 20 anos, as boas notícias cubanas que tivemos por aqui se resumem às vitórias no esporte e à inigualável qualidade de seu rum e charutos.

Como chegar a uma conclusão sobre o significado de Fidel Castro é mais complicado que discutir o sexo dos anjos barbudos, prefiro me abster dos pitacos. Ao invés disso, transcrevo a ilustrativa crônica de Arnaldo Jabor, publicada no jornal O Estado de S.Paulo no dia 26 do mês passado.


Meu caso de amor com Fidel Castro

Já contei esse “causo” e vou repeti-lo. Por quê? Porque Fidel Castro morreu. Não da “fatal ceifadeira” que se aproxima, mas de morte simbólica que ecoou dentro de mim. Quando o vi, vestido de abriguinho Adidas (meu Deus, por que o merchandising do capitalismo esportivo?), trôpego, olhado com o carinho oportunista pelo pavoroso Hugo Chavez, usando-o para seu lucro de gordo psicopata, tive um baque de angútia.

Eu que, na adolescência, fui animado a viver pelas imagens da conquista de Havana, com os heróis lindos e suas metralhadoras, hippies armados, intelectuais corajosos, também morri um pouco. Fidel era jovem, macho, libertador, barbado, tudo. Fui a Cuba em 1987, com meu filme “Eu Sei que Vou Te Amar”, que passou no Festival de Havana.

Mas, muito antes de ir, sonhava com esta ilha tropical igual à Bahia (vi depois), onde o socialismo paranóico de Stalin seria criticado e salvo. Naquela época, o socialismo era nossa religião e os operários, os santos, símbolos do futuro. Eu era diretor do jornal dos estudantes e às vezes ficava até de madrugada na Lapa, na oficina gráfica.

E via os operários como líderes, sentia em sua força calma uma beleza pura, uma grandeza simples, superior aos intelectuais neuróticos. Como amávamos os operários! Na alta madrugada eu os olhava, com seus braços fortes, pareciam garvuras soviéticas. Andava atrás deles, xom ensinamentos políticos, elogios, sorrisos. Alguns ficavam desconfiados de tanto amor. "Serão bichas esses garotos, veadinhos?", pensavam com certeza. Não - éramos apenas comunistas.

Passaram-se vinte e tantos anos e, finalmente, fui à Cuba. Depois da derrocada de fé atrás da outra, restava-me ainda a paixão pela paixão que tivera por aquela utopia e seu Comandante. Comi lagostas no ex-palácio do milionário Dupont em Varadero e ouvi o jazz do grande Arturo Sandoval. Mas, minha primeira impressão foi um choque: as casas não estavam pintadas; todas as fachadas de tradição espanhola se descascavam. em verdes pálidos ou em rosa desmaiada. Senti ali o primeiro calafrio de decepção – o descuido com a beleza e a preservação.

Achava que o trabalho socialista era do amor à coisa pública, o cuidado com a tradição. Não sabia ainda do burocratismo, dos privilégios da “nomenklatura”, do egoísmo e da fragilidade do sentimento generoso do trabalho coletivo. Aliás, o que mais me entristeceu no socialismo foi a incompetência que percebia em detalhes, na lentidão das providências, no medo de decidir que eu via entre os funcionários.

O filme “Guantanamera” de Gutierrez Alea é um retrato da ineficiência cubana. Claro que sei do bloqueio brutal americano e da “ajuda” soviética oportunista. Além dos desmandos posteriores de Fidel, da repressão, dos fuzilados, quando vi Cuba caindo nos braços de Kruschev, o sonho acabou. Mas, minha fé e meu amor, mesmo em 87, ainda me fizeram esquecer as dúvidas e decepções.

Uma noite, fui a um coquetel no Hotel Nacional. A grande atração seria o próprio Fidel. Suspense geral entre os convidados. Tudo ficava meio provisório, porque Fidel iria chegar. Lá pelas tantas, estou de costas para a porta e senti, como um vento, a chegada do Comandante, cercado de seguranças, que entrou pela sala como um trem.

Fidel foi cercado por todos, latinos, europeus, asiáticos. Uma amiga a meu lado fez uma crítica “fashion”: “Uniforme de tergal, com esse verde horroroso... Tinha de ser de puro algodão, sei lá, outro verde...” Senti a crise do socialismo estampada naquele tergal barato.

Mas, tudo era pequeno diante de Fidel. Era a materialização de um herói, como se Aquiles tivesse saído da “Ilíada” pra conversar comigo. Enfiei-me no grupo que o cercava e consegui chegar até bem perto dele. “Comandante...Ó...” – falei com firmeza. Fidel me olhou, sorriu e me deu a mão. Arfante, agarrei-lhe a mão e comecei a falar: “Soy de Brasil...y hago peliculas..” Mas o grupo de tietes era voraz e Fidel foi empurrado para o outro lado da sala.

Firme em meu propósito, continuei agarrado em sua mão, enquanto ele respondia à pergunta de um asiático pigmeu chatíssimo falando do “bloqueio”. Fidel jogava como um barco e eu ali, grudado, não largava sua mão. Lembro-me ate hoje que sua mão era quente e larga, a palma generosa e macia. Sua mão se aninhava confortavelmente na minha, enquanto eu tentava lhe falar. “Comandante”... – comecei de novo, gago de emoção. Fidel me olhou, vagando naquele mar de gente e eu, feito um náufrago da revolução, pressionava sua mão com vigor, sorrindo-lhe, fixando-me em seus olhos para ele me ouvir. Mas, os tietes canalhas atrapalhavam.

Foi então que a mão de Fidel começou a sentir demais a presença da minha. Sua palma começou a estranhar aquele contato. O que fora uma irmanação política, fraternal de “companheiros”, foi virando intimidade física. Uma finíssima camada de suor umedeceu a palma do Comandante, pois se apagava a fina fronteira entre a amizade revolucionária e o perigo homossexual: dois homens ali de mãos dadas. E a mão de Fidel começou a querer se livrar do firme aperto da minha.

Ela tentou sair pela direita, pela esquerda, se contorceu, se apinhou em dedos juntos e foi se desprendendo da minha, que insistia no aperto emocionado. Eu lutava para não largar a palma do Comandante, mas sua mão, cada vez mais sinuosa, impaciente, se apequenou e num esforço. quase um solavanco, conseguiu afinal se libertar da minha, enquanto o olhar espantado de Fidel cortou o meu olhar por segundo.

“Será que é uma bicha brasileira, infiltrada?” – tenho certeza que pensou. Não, comandante, eu não era uma bicha; apenas um ex-comunista. Foi a única vez que vi Fidel. Sei que sua morte vai me fazer morrer um pouco.


Fidel, à lá Tio Sam: odiado por muitos, querido por poucos, respeitado por todos.




7 comentários:

Anônimo disse...

Tripa Seca.

Nathália Rodrigues disse...

Fidel é tripa seca!!!

Anônimo disse...

Chapolim. Fidel é fidel aos seus princípios, e é um dos poucos a peitar a turma do x-burger com empáfia.

Anônimo disse...

Tripa Seca!!!!
3x1.

Anônimo disse...

Tripa Seca.
4x1

Anônimo disse...

Chapolim, óbvio.
4x2

Anônimo disse...

Para mim Fidel se vai tarde, demais. Não tenho nem os bons sentimentos do Jabor, que um tempo nutriu muita ilusão com o socialismo "real" e virou um crítico do regime e suas maracutaias. Fidel já fez muito mal aos cubanos. Quem não estimula novas lideranças não pode ser coisa boa. Coisa de ditador.

Tripa Seca: 5x2

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