10 de set. de 2008

Vale a pena ler de novo: O Violinista no metrô


O Violinista no Metrô
(Martha Medeiros*)


ACONTECEU EM JANEIRO.

O jornal Washington Post convidou um dos maiores violinistas do mundo, Joshua Bell, para tocar numa estação de metrô da capital americana a fim de testar a reação dos transeuntes. Desafio aceito, lá foi Bell de jeans e camiseta às oito da manhã, o horário mais movimentado da estação, para tocar no seu Stradivarius de 1713 (avaliado em mais de US$ 3 milhões) melodias de Bach e Schubert.

Passaram por ele 1.097 pessoas.

Sete pararam alguns minutos para ouvi-lo. 27 largaram algumas moedas. E uma única mulher o reconheceu, porque havia estado em um de seus concertos, cujo valor médio do ingresso é US$ 100. Todos os outros usuários do metrô estavam com pressa demais para perceber que ali, a dois metros de distância, tocava um instrumentista clássico respeitado internacionalmente.

Não me surpreende.

Vasos da dinastia Ching, de valor incalculável, seriam considerados quinquilharias se misturados a quaisquer outros numa feira de artesanato ao ar livre. Uma jóia correria risco de ser ignorada se fosse exposta numa lojinha de bijuterias, e ninguém pagaria mais de R$ 40 por uma escultura do mestre Aleijadinho que estivesse misturada a anjos de gesso vendidos em beira de estrada. Desinformados, raramente conseguimos destacar o raro do medíocre.

Só é possível valorizar aquilo que foi estudado e percebido em sua grandeza.

Se eu não me informo sobre o valor histórico de uma moeda que circulava na época dos otomanos, ela passa a ser apenas uma pequena esfera enferrujada que eu não juntaria do chão. Se eu não conheço o significado que uma muralha teve para a defesa dos grandes impérios, ela vira apenas um muro passível de pichação. Se não reconheço certos traços artísticos, um vitral de Chagall passará tão despercebido quanto o vitral de um banheiro de restaurante. podemos viver muito bem sem a cultura, mas a vida perde em encantamento.

Esta história do violinista demonstra que não estamos preparados para a beleza pura.

É preciso um mínimo de conhecimento para valorizá-la. E demonstra também que temos sido treinados para gostar do que todo mundo conhece. Se uma atriz é muito comentada, se uma peça é muito badalada, se uma música é muito tocada no rádio, estabelece-se que elas são um sucesso e ninguém questiona.São consumidas mais pela insistência do que pela competência, enquanto que competentes sem holofotes passam despercebidos.

Gostaria muito de ter circulado pela estação de metrô em que tocava Joshua Bell. Não por admirá-lo: pra ser franca, nunca ouvi falar deste cara. O que eu queria era testar minha capacidade de encantamento sem estímulo prévio. Se ainda consigo destacar o raro sem que ninguém o anuncie. Tenho a impressão de que eu pararia para escutá-lo, mas talvez eu esteja sendo otimista...

Vai ver eu também passaria apressada, sem me dar conta do tamanho do meu atraso.




* Martha Medeiros é gaúcha arretada, escritora caprichosa, poeta sensível, colunista dos jornais Zero Hora e O Globo e uma das maiores filósofas da crônica moderna. Esse texto foi retirado do livro 'Doidas e Santas', uma deliciosa coletânea de crônicas publicadas pela autora nos últimos 3 anos.



7 comentários:

Anônimo disse...

Salve MM, a escritora da virtude!!!!!

d. disse...

|me fez refletir|

isso acontece de outras formas tbm... com artistas de rua e ateh mesmo aqueles do circo e teatro da city.

pena neh

por isso q naumgosto do teem, da moda, da tv

a moda amedronta. com ela, ficamos com medo de colocar determinada roupa, de ouvir musica diferente... temos ateh medo de colorir as paredes da casa com uma cor q naum seja taum atraernte aos olhos dos outros.

e qto a cultura, a falta de conhecimento em relaçao a gdes nomes... eh meio relativo, naum? uma questao de bom gosto...

opiniao q ninguem perguntou: tenho amigas q studaram nas melhores escolas aqui no brasil e na europa, mas q naum sabem nem quem eh Goethe. Por outro lado, conheci jovens em trabalhos voluntarios, moradores de periferias em sp, que sacam td sobre Sartre... (entre outros, dos quais fiquei admirada!)

eh certo q naum eh comum ouvirmos orquestras diariamente, mas c eu stivesse naquele metro, mesmo naum conhecendo o cara, apreciaria os poucos minutos q stivesse ali, como faço quando vejo arquitetura antiga ou ateh um jardim com azaleias em frente a qlqr casa.

*revaloes de dari* huhuhuhuhuhuh

d. disse...

revelaçoes*

Anônimo disse...

Compartilho os mesmos sentimentos da Dari (apesar de não saber quem é Goethe).

d. disse...

vinceeeee

naum sabe quem eh Goethe?

|puxao de orelha!|

Anônimo disse...

Ora, eu também não sei quem é Goethe. Eita nomezinho esquisito!!

Quanto à fábula social do violinista, é uma triste realidade de nossa vida Drive Thru, como escreveu Jo-jo há algum tempo. Correria, gastrite e uma vida aparente 120/hora, mas com o freio de mão da intensidade puxado.

O filme LINHA DE PASSE fala muito disso, vale à pena conferir.

Anônimo disse...

Martinha, Martinha....

Meiga, bela e dona de uma sensibilidade que até Neruda duvida.

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