APÓS MESES DE PROFUNDA imersão em livros de receitas, enciclopédias, obituários e dezenas de fitas de entrevistas gentilmente concedidas por familiares das matriarcas cozinheiras, finalmente trarei à luz um dos maiores mistérios da humanidade: a origem do nome dos queijos.
Minha intenção aqui não é questionar a veracidade das histórias, e sim a importância gastro-cultural de tais descobertas. É de suma importância os leitores terem em mente que todos os queijos foram batizados pelas próprias vovós cozinheiras que, por conta da idade avançada, acabaram por ter seu aparelho auditivo comprometido.
Antes de revelar a identidade dos melhores amigos do vinho, do hamburger e da goiabada, quero agradecer de coração a todos os parentes, vizinhos e descendentes dessas verdadeiras artistas dos fogões. Sem vocês, nada disso seria possível.
Aproveito também para dar minha permissão, de bom grado, ao pessoal da wikipedia - caso queiram ampliar seu acervo cultural.
Em ordem alfabética, pra facilitar:
Brie - Marselha, outono de 1863
Enquanto vovó preparava seu famoso queijo com casquinha (que vendia para eventos finos da região parisiense), o neto e seus amigos estudavam para a prova de Química. Passando a limpo cada família de elementos da tabela periódica, o neto solta essa:
- Ahahahha... vocês viram que tem um elemento Cu? Cu, cara!!!
- Mas é claro que tem, mané. É o Cobrie, você não sabia?
E assim foi batizado o queijo brie.
Catupiry - Paris, primavera de 1904
Enquanto vovó dava os últimos retoques no queijo que fazia a alegria da casa, seu cachorrinho, o virra-latè Pirrí, pulou pela janela e saiu correndo ladeira abaixo. Desesperada, a robusta e suada senhora saiu atrás do bicho gritando:
- Catè Pirry! Catè Pirry!
E assim foi batizado o queijo catupiry.
Queijo Coalho - Muzambinho, verão de 1977
Enquanto vovó assava o queijo predileto da cidade inteira, que fazia fila na porta para comprar a iguaria, suas duas vizinhas discutiam ao lado o que fazer para temperar o arroz na ausência da cebola:
- Ah, Alzira... Faiz coalho memo, uai!
E assim foi batizado o queijo coalho.
Cheddar - Cuba, inverno de 1969
No porão da casa de vovó (que preparava aquele queijo amarelado que tanto agradava os partidários de Fidel), seu neto tatuador, simpatizante do movimento revolucionário, atendia a um dos clientes guerrilheiros:
- Niño, puede tatuar el nombre 'Fidel Castro' en mi brazo? Es possible?
- No, amigo. Es mucho comprido.
- Calamidad! Pero e Che?
- Ah, Che dá!
E assim foi batizado o queijo cheddar.
Gorgonzolla - Florença, verão de 1970
Assistindo às semifinais da Copa do Mundo, uma família típica firenzense estava aflita com o jogo dificílimo da Azurra contra a Alemanha. Só pra variar, vovó preparava com esmero aquele queijo fedorento, que fazia com a goiabada o casamento dos deuses. E no exato momento que a Itália fez o gol da classificação, o futuro ator Raul Gazolla, então com apenas 6 aninhos, espiava curioso o que diabos a avó estaria preparando com uma sola de sapato velho. Foi quando o irmão gritou lá da sala:
- É gooolllll, Gazolla!!!!!
E assim foi batizado o queijo gorgonzolla.
Gouda - Amsterdã, primavera de 1911
No florido jardim da casa da vovó doidera, que por coincidência estava na cozinha apertando o dedinho do gorila enquanto preparava uma receita de queijo novinha em folha, o neto e o amigo brincavam de bolinha de gude. Foi quando a campainha tocou - era o coleguinha alemão, recém-chegado na cidade após o pai ser transferido de trabalho. Quando viu o que os amigos estavam fazendo, o alemãozinho, ainda carregado de sotaque, indagou:
- Bollá de Goudá?
E assim foi batizado o queijo gouda.
Mascarpone - Trieste, verão de 1835
Enquanto a vovó camponesa preparava no forno a lenha a iguaria que deixaria sua família milionária 3 décadas depois, o neto dava a seu pequeno cavalo um chumaço de capim-santo, excelente para um crescimento forte e sadio:
- Nona! Nona! Mio caballito non quer manjar il capim.
- Bambini, capim non e para manjar, e para mascar. E qüesto animale non e uno caballito, e uno pônei, pedro bó!
- Eco! Enton masca, pônei!!!
E assim foi batizado o queijo mascarpone.
Mozzarella - Livorno, outono de 1990
Enquanto Nona Nena preparava sua famosa lansanha caprichada com aquele queijinho especial que apresentava textura e sabor irresistível ao ser esquentado, seu neto chega à cozinha acompanhado de uma moça estranha, com estatura elevada, mãos e pés grandes, corte de cabelo curto e uma ligeira protuberância na região da traquéia. Compunham o suspeito figurino seios imperceptíveis, costas largas e jeito de caminhar meio cowboyzão. Empolgado com a nova 'aquisição', ele apresenta a nova namorada à nona:
- Nona, eta qüi é Ramona, la mia novissima namorada. Ma que bella moça, non?
A nona responde prontamente, bem aos moldes italianos:
- Má moça, ella? Questa ragazza non e moça nem aqüi e nem na Gália. Madonna mia, está cego, puto?!
E assim foi batizado o queijo mozzarella*.
Parmesão - Piracicaba, inverno de 1927
Enquanto vovó ralava o queijo para caprichar na macarronada de domingo, a neta e seu noivo, cheios de dengo, disputavam no par ou ímpar para ver quem ia botar os talheres na mesa:
- Ímpar, meu docin!
- Par, morzão!
E assim foi batizado o queijo parmesão.
Provolone - Le Mans, início de 1901
Enquanto vovó fatiava o queijo para passar no azeite e servir de aperitivo para as visitas, sua filha penava para fazer o neto comer.
- Não quelo mamãe, não gosto desse!
- Poxa vida, mas você nem provou, Louie!
E assim foi batizado o queijo provolone.
Ricota - Piedade, meados de 1798
Dona Maricota era uma senhora deveras ranheta. Apesar do mau-humor, sabia como poucos na região fazer um queijo light, em bolinhas, cujo segredo da receita sempre guardou a sete chaves. Enquanto preparava o queijo, vô Alfredo, todo fanfarrão, soltou uma de suas piadas de salão. A velha, como de praxe, não mexeu sequer um músculo do rosto. Cheio de graça, vovô, vermelho de tanto rir, sotou essa:
- Mai essé boa dimaissss, sô!!! Ocê num vai rir, Cota???
E assim foi batizado o queijo ricota.
Roquefort - Seattle, inverno de 1978
No final dos anos 70, na cidade de Seattle só se falava em um lutador de boxe conterrâneo que saiu dos ringues locais para ganhar o mundo, virando inclusive um sucesso de bilheteria nos cinemas. Impressionada com a força do rapaz de boca torta e fala monocórdica, vovó, lá do fogão, gritou para vovô, largado no sofá em frente à tevê:
- Esse menino é porreta! Não perde uma luta!
- Ééééé, minha velha. O Rocky é forte mesmo!
E assim foi batizado o queijo roquefort.
Suíço - Zurique, natal de 1766
Na tradicional festa do dia 25 de dezembro, no chalé de uma típica família suíça, os netos faziam fila para se servir do saborosíssimo queijo que vovó acabara de inventar. A cada neto que passava em frente à panela, vovó servia uma generosa porção, acompanhada de arroz e peru. Quando chegou a vez do neto gordinho ela, preocupada com a forma física do menino, colocou só um teco, que não dava nem pro cheiro. Revoltado, o roliço garotinho retrucou:
- Pô, vó, só isso?????
E assim foi batizado o queijo suíço.
PS: Ficamos devendo a origem do Crammembert. Se algum de vocês souber, fique à vontade para compartilhar.
* Contribuição do pentelho Lenci Boy, do Cerveja da Tarde