Baile de Carnaval dos tempos de Zezé e sua cabeleira SE VOCÊ PASSOU esse Carnaval em algum lugar da região sudeste - e se um surto de amigdalite não te pegou de última hora -, provavelmente teve contato com o ruído que tomou conta dos trios, carros e postos de gasolina da cidade eleita para curtir a folia. Digo ruído, porque de música o 'funk do momento' não tem nada: não tem melodia, não tem refrão, não tem sequer um instrumento de apoio - heresia comum quando se trata do ritmo que deixou o subúrbio carioca para tomar conta de toda e qualquer festa com média de idade inferior a três décadas.
A seguir, um trecho da letra do famigerado hit, para você ver que minha implicância não é sem motivo:
Pra dançar créu tem que ter disposição
Pra dançar créu tem que ter habilidade
Eu venho te lembrar que ela não é mole não
Eu venho te falar que são cinco velocidades
A primeira é devargazinho é só aprendizado, hein
É assim ó: Crééééééééuuuuuuuuuuu (3x)
Se ligou, de novo! Crééééééééuuuuuuuuuuu (3x)
Número dois!
Crééu, crééu, crééu, crééu, crééu, crééu
Continua fácil né, de novo:
Crééu, crééu, crééu, crééu, crééu, crééu
Numero três!
Crééu, crééu, crééu, crééu, crééu, crééu
Crééu, crééu, crééu, crééu, crééu, crééu
Tá ficando difícil, hein?
Crééu, crééu, crééu, crééu, crééu, crééu
Crééu, crééu, crééu, crééu, crééu, crééu
Agora eu quero ver na quatro!
Créu, créu, créu, créu, créu, créu (...)
Tá aumentando mané!
Créu, créu, créu, créu, créu, créu (...)
E aí, que talz???
Chamo a atenção do tal do Créu não para pedir por letras profundas e grandes melodias, afinal de contas o Carnaval tá aí justamente para a gente relaxar, desestressar e - de acordo com o traquejo do cidadão - requebrar e mexer as cadeiras a valer. No entanto, vale traçar aqui um paralelo entre o som da festa mais popular do país com o momento que ele vive, culturalmente falando. Explico:
Nos anos 50, 60 e 70, quando uma mera coxa à mostra era motivo de frisson entre os rapazes - e de uma boa estalada do cinto do pai em casa -, imperavam as Marchinhas nos Bailes de Carnaval. Todo mundo fantasiado cantando, dançando e fazendo trenzinho ao som da Pipa do vovô, da Cabeleira do Zezé, da Bruxa que vem aí, do Índio que quer apito e outras tantas canções inteligentes e festivas, que faziam dançar desde a menininha de sete anos até o vovô de setenta.
A década de 80 inaugurou entre os foliões a era da Axé Music, ritmo anfetaminado que transbordou dos trios de Salvador para os bailes e festas de todo país. Chiclete com Banana e Asa de Águia são duas das bandas pioneiras do estilo, que embora contasse com temas menos espirituosos que os das marchinhas, ainda trazia o amor, a alegria e a diversão em suas letras.
Não demorou muito e a Banda Eva de Ivete Sangalo, o É o Tchan das Sheilas, o Araketu de Tatau e os cantores Daniela Mercury, Netinho e Ricardo Chaves se juntaram às bandas de Bell e Durval. Os reforços deram um gás extra ao ritmo baiano, que seguiu reinando absoluto nos anos 90, deixando as marchinhas para os bailes da saudade e os estádios de futebol ('Caiu na rede é peixe, lê-lê-á...').
Como - cerveja e futebol à parte - o brasileiro enjoa rápido das coisas, o axé (salvo a insistência de alguns poucos remanescentes como Babado Novo e Jammil) perdeu espaço, e viu o funk tomar conta das baladas, festas, trios e bailes carnavalescos do centro-sul. Atenção para a substituição: sai o Arerê, a Mila, a Manivela e a Dança do Vampiro e entram o Cerol na mão, a Eguinha Pocotó, o Parapapapapá e - olha ele aí - o Créu!
Não adianta chiar - a galera do Pancadão chegou mesmo para ficar. Seu pacote, além daquela batida-padrão que você bem conhece, inclui a transformação das meninas em 'cachorras' e da rapaziada em 'tigrões'. Sem falar nas letras que, quando não são um Kama Sutra à la Morro do Dendê, exalam ritmo e poesia (como você pode notar aí em cima).
Pois é, gente boa... ao menos no quesito 'samba-enredo', nosso carnaval já escolheu sua nova marcha: a ré.